Comprei uma
passagem aérea internacional e cancelei 30 dias antes da viagem e 4 dias
depois da compra pela Decolar.com. Se recusaram a cancelar a comprar
sem descontar um valor de R$150,00, sendo que a passagem foi R$500,00.
Enviaram-me vários e-mails me dizendo que o art.49 do CDC não se
aplicavam a eles. Eu disse para cancelar mesmo assim que procuraria o
PROCON. Fizeram o estorno com desconto. Posso entrar com um processo
para reaver meu dinheiro e direitos?
RESPOSTA:
De
fato, o art. 49 do Código de Defesa do Consumidor determina a
possibilidade de devolução dos valores pagos, monetariamente
atualizados, o que se aplica perfeitamente a compras efetuadas pela
internet.
Cumpre
esclarecer, porém, que a compra de uma passagem aérea é um contrato de
prestação de serviços, regido por regras especificas, que geralmente
constam em termo escrito que pode ser fornecido pela companhia aérea.
Provavelmente, no seu contrato havia uma cláusula prevendo a cobrança
desse valor, que pode corresponder a uma taxa de administração referente
aos serviços prestados pela empresa aérea ou simplesmente a uma multa
por descumprimento contratual.
Em
casos de cancelamento de passagens aéreas por solicitação do cliente,
os juízes e tribunais têm entendido que pode haver cobrança de taxas de
administração, por entenderem que a
dicção do artigo 49 do CDC se refere apenas a possibilidade de
encerramento do contrato e restituição do valor pago, não afastando a
aplicação de multas contratuais.
Há,
porém, a possibilidade de buscar a restituição do valor de R$ 150,00
alegando que a empresa aérea não prestou informações claras a respeito
da cobrança da referida taxa ou que, no ato da contratação, garantiu que
ela não seria cobrada.
Transcrevemos
abaixo decisão judicial da Turma Recursal Única do Paraná na qual foi
sentenciada legalidade da cobrança das taxas de administração (os grifos
são nossos):
AÇÃO DE COBRANÇA. PASSAGEM ÁREA. NÃO UTILIZAÇÃO. PEDIDO DE REEMBOLSO. ATENDIMENTO PELA COMPANHIA ÁREA COM DESCONTO DE TAXA
DE ADMINISTRAÇÃO DE 20% DO VALOR. PRETENSÃO AO RECEBIMENTO DO VALOR
DESCONTADO POR AFRONTA ÀS DISPOSIÇÕES DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR.
SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. RECURSO INOMINADO.
1)
ALEGAÇÃO DE NECESSIDADE QUE O FORNECEDOR ASSEGURE INFORMAÇÕES CLARAS,
PRECISAS E CORRETAS, DESTACANDO AS QUE IMPORTEM RESTRIÇÃO AOS SEUS
DIREITOS. DESCABIMENTO. TERMOS E CONDIÇÕES DE USO REDIGIDOS DE MODO A
POSSIBILITAR O ENTENDIMENTO DO CONSUMIDOR, ESCLARECENDO MINUCIOSAMENTE A
CONTRATAÇÃO REALIZADA ENTRE AS PARTES.
2)
TAXA DE REEMBOLSO QUE AFRONTA O ARTIGO 47 E 49 DO CDC. DESACOLHIMENTO.
REGULAR CONTRATAÇÃO. CLÁUSULAS QUE NÃO DENOTAM ABUSIVIDADE OU QUE
COLOQUEM O CONSUMIDOR EM EXTREMA DESVANTAGEM. INTERPRETAÇÃO FAVORÁVEL AO
CONSUMIDOR QUE NÃO IMPORTA AUTOMÁTICA PROCEDÊNCIA DE SUAS PRETENSÕES.
EQUILÍBRIO CONTRATUAL, BOA FÉ E ISONOMIA NÃO OFENDIDOS.
Os
termos e condições da contratação da passagem aérea (fls. 10)
encontram-se redigidos de maneira precisa e simples, sendo possível ao
consumidor entender suas cláusulas, não sendo imprescindível que os
termos estejam destacados. Na hipótese em comento, se foi possível ao
consumidor entender claramente a ausência de taxas de serviço pelo
cancelamento, por evidente o seria também quanto à cobrança do
percentual de 20% quando pretende o reembolso, no tópico “Tarifas
domésticas”, eis que lavradas em redação simples e de fácil compreensão.
2) A
cobrança da taxa de reembolso, não constitui afronta às disposições do
Código de Defesa do Consumidor, pois se trata de valor correspondente
aos serviços prestados pela empresa aérea até o momento da rescisão,
detendo cunho de indenização pelas perdas financeiras sofridas. Ademais a
dicção do artigo 49 do CDC não afasta a aplicação de multas contratuais
e condições contratadas como a prevista para cobrir a administração do
valor prestado, sendo regular referida contratação. As cláusulas
contratuais não permitem concluir por abusividade ou oneração extrema ao
consumidor, máxime o fato de que a interpretação favorável prevista
pelo artigo 47 do CDC não pode se transformar em previsão de automática
procedência das pretensões dos consumidores em detrimento das condições
contratadas. É de se entender que não houve na espécie desequilíbrio
contratual, má-fé ou desigualdade entre as partes contratantes, pois
somente se restringiu a empresa aérea a promover o cumprimento de
previsão contratual lícita e aceita pelo consumidor que preferiu a
restituição em espécie à utilização de seu crédito na aquisição de nova
passagem aérea.
Como
se percebe, nessa sentença os juízes entenderam ser legal a cobrança
das taxas na hipótese do art. 49 do Código de Defesa do Consumidor e que
elas estavam previstas em contrato de modo acessível ao consumidor. Se
este tivesse conseguido provar que não lhe foi possível tomar ciência de
antemão a respeito da cobrança, provavelmente ela seria declarada
indevida. Asseveramos, porém, que é muito difícil produzir tal prova.
Transcrevemos
abaixo uma segunda decisão, esta da Segunda Turma Recursal Cível dos
Juizados Especiais Cíveis do Estado do Rio Grande do Sul, que versa
sobre o mesmo tema e na qual restou decidido que há a possibilidade de
cobrança das taxas, afastando-se indenização por danos morais:
RELATÓRIO
Cuida-se
de ação de indenizatória, em que o autor postulou a condenação da ré à
restituição, em dobro, do valor referente à taxa em razão do
cancelamento da compra de passagens aéreas, bem como ao pagamento de
indenização por danos morais.
Contestado
o feito, sobreveio sentença de improcedência. Recorreu o autor,
pugnando pela reforma da sentença. Com contrarrazões, vieram os autos
conclusos.
VOTO
Dra. Fernanda Carravetta Vilande (RELATORA
A
sentença atacada merece ser confirmada, por seus próprios fundamentos,
nos termos do artigo 46 da Lei nº. 9.099/95, o qual prevê que “o
julgamento em segunda instância constará apenas da ata, com a indicação
suficiente do processo, fundamentação sucinta e parte dispositiva. Se a
sentença for confirmada pelos próprios fundamentos, a Súmula do
julgamento servirá de acórdão”.
Cumpre
salientar que o cancelamento da compra foi opção do próprio autor, não
tendo havido falha na prestação do serviço da ré, de modo que é lícita a
cobrança da taxa administrativa no caso de reembolso, porquanto prevista no quinto parágrafo do contrato de adesão, fl. 21 (“estando sujeita ao pagamento de taxas e multas, inclusive taxa administrativa em caso de reembolso”), o qual ainda adverte o contratante para que consulte a empresa sobre as condições da restituição.
Por
fim, não restaram configurados os danos morais, tendo em vista que a
situação dos autos se trata de mero dissabor do cotidiano, inexistindo
lesão a atributo da personalidade do autor, devendo ser mantido decreto
de improcedência do pedido de indenização por danos de ordem
extrapatrimonial, sob pena da banalização do instituto.